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David (eu), nasce na Ilha do Pico, Açores, em 6 de agosto de 1951.
Com 12 anos, vem para o Brasil para se encontrar com os pais que aqui estavam desde 1957. Criado pelo avô Manuel Maria, desde cedo se encantou pela igreja incentivado por seu mentor espiritual, Padre Rodrigues. Passa a ser então sacristão da igreja São Pedro de Alcântara no Cais do Pico. O padre que vive na casa da mãe, ao lado da casa do avô Manoel Maria, conta histórias maravilhosas do Brasil, onde tinha passado parte da vida. O menino vem para o Brasil, trazido pelos avós, Com intenção de ser padre. Vai viver com seus pais na cidade de Petrópolis. Estuda no Colégio São José, e frequenta o seminário São Vicente de Paula, em Correias. Depois de 2 anos, como ouvinte no seminário, descobre o sincretismo religioso e as belezas da diversidade brasileira e percebe que vai ser um péssimo Padre. Abandona essa ideia e passa a ser discotecário, ator de teatro amador, músico da banda do colégio e integrante do Grêmio. Mas nunca esquece as suas raízes cristãs. Apaixona-se seriamente por um garota colega de colégio, mas não deu certo. Um dia, ao trabalhar de freelance na Rede Globo, é convidado por uma amiga para ir para ir até o Tivoli Park e conhecer Orlando Orfei. O Tívoli Parque recém-inaugurado iria promover o Festival Nacional do Folclore e Orfei precisava de alguém para montar o som, recém-adquirido para o festival. Em conversa rápida é contratado para trabalhar no parque. Durante dois anos exerceu o cargo de supervisor técnico. Com a doença do técnico italiano, Soli, que tinha ensinado tudo o que ele precisava saber sobre técnicas do parque e circo, Orlando Orfei o convida para ir para o circo. Solteiro, independente, apaixonado por viagens, por conhecer o mundo, o imigrante português aceita viver esta vida Itinerante. É marcada a sua ida definitiva para o circo que iria estrear em Belo Horizonte em 1976. David ainda segue para Ipatinga e dali direto para o Rio de Janeiro para a montagem do Festival Mundial do Circo.
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Sandra, nasce em Belo Horizonte, em 12 de setembro de 1957. Filha mais velha de nove irmãos, passou muitas dificuldades na vida inclusive com a morte do seu pai. Morava em Belo Horizonte com a família numa casa pobre. Sandra trabalha na mercearia da tia, quando conhece um secretário do circo Orlando Orfei, que estava montado ali perto. É convidada então a trabalhar no circo. De tradicional família batista, houve resistência da família. Mesmo assim, ela teve o apoio da tia Adalgisa e o consentimento da mãe dona Luiza.
Assim, com 17 anos, Sandra começa a trabalhar no mesmo dia que David. Funcionária exemplar começa como recepcionista, bilheteira e costureira. Termina temporada em Belo Horizonte e Sandra decide fugir com o circo. Foi manchete de jornais, e sua mãe uma sábia mulher, a encontra em Ipatinga.
Depois de conversar com a filha e com a direção do circo e ver que essas eram as aspirações da filha decide dar seu consentimento. Assim seguem para Guarapari no Espírito Santo, com a expectativa da estreia no Maracanãzinho
Eu tinha chegado no circo e no primeiro dia em Belo Horizonte, já era amigo da maioria dos seus integrantes, fui cumprimentar a novata Sandra e ela simplesmente deu as costas para ele. Já tinha sido avisada que eu era mulherengo e junto com um anão Andrade, Mário Orfei e outros amigos, que viviam na noite depois do trabalho. Isso acontece no primeiro dia que os dois começam seu trabalho no circo ainda em Belo Horizonte. Se Sandra não tivesse aceitado o convite para trabalhar no circo. Se eu não tivesse aceitado o convite para trabalhar no circo também, os dois nunca teriam se conhecido. Praticamente nunca mais se falaram, a não ser quando eu era convocado por Orfei para assessorar uma colunista italiana do jornal Estado de Minas, que frequentava circo e depois viemos a descobrir que ela era apaixonada por Orfei. Marquesa de Luca também era apaixonada por um Amaretto e Sandra ao meu comando é que servia o camarote permanente da marquesa. Era uma maneira de me vingar dela. Começam os preparativos para o Festival Mundial do Circo no Maracanãzinho e Herta Orfei, esposa de Orlando, decide contratar um coreógrafo de São Paulo.
Bruno era um grande artista transformista bailarino ator das famosas boates do Largo do Arouche e vem para o circo com a missão de preparar o corpo de baile. É criada uma nova trilha sonora, e David é o operador de som, nesses ensaios. Obviamente os dois ficam frente a frente. Sandra Passa então a integrar o corpo de baile do circo. Sandra faz um número de dança em escadas com mais 7 bailarinas, a uma altura de 16 metros. Quem comanda os motores que levantam as bailarinas sou eu ou meu sub chefe, o saudoso Robertinho. Quando tenho oportunidade, eu brincava com ela, deixando- a pendurada por alguns segundos e ligando desligando o motor fazendo-a balançar.
Termina o festival do circo depois de 3 meses no Maracanãzinho. Um sucesso total e rumam para São Paulo para estrear no Ibirapuera. depois passam para lona na Casa Verde, uma tradição que Orlando Orfei nunca abandonou. Era uma maneira de aproveitar a propaganda e ganhar mais dinheiro, agora sem os custos do Estádio.
Em 3 de outubro de 1976, o circo encerra sua temporada na cidade de São Paulo com destino a Osasco. Bruno convida-me para ir na boate conhecer o trabalho dele. E também convida Sandra. Termina o último espetáculo no domingo. Desmontamos todo equipamento. (Sandra na desmontagem era responsável por recolher todas as capas das cadeiras). Segunda era dia de folga e decidimos sem saber, ir na boate do Bruno. Ao sair na porta do circo, eu vi um vulto, e decidi parar. Era Sandra. Eu perguntei para ela, onde ela ia e ela disse que estava esperando um táxi para ir encontrar com Bruno na boate. Eu a convidei para entrar no carro e na verdade ela nunca mais saiu. Até hoje.
Foi paixão à primeira vista. Passaram a viver juntos, porém, separados, já que as regras do circo não permitiam que um supervisor ou qualquer outro empregado, namorasse com garotas do circo. Não vou mentir e dizer que isso não havia casos, mas não oficialmente. Se um relacionamento sério, teria que ser oficial. Como eu tinha sido praticamente noivo cinco vezes, e ela também noiva uma vez, achamos por bem conversar e ficar um tempo juntos para ver o que acontecia. Trabalhávamos normal durante o dia ocupados com todas as nossas tarefas e à noite ela dava um jeitinho de sair da sua carreta e vir para o meu trailer que normalmente era montado na parte traseira do circo.
As carretas dos homens e das mulheres, solteiros, eram carretas fabricadas em Nova Iguaçu, pelos Mestres marceneiros Antônio, Manuel filho e Manuel pai. Eram carretas muito confortáveis com divisões para três pessoas, geladeira, 3 beliches e armários. O único luxo que não tinham, era o banheiro coletivo, que normalmente era montado na área de moradias. Eu tinha entrado para o circo com um trailer Eldorado, puxado por Opala azul e já estava no meu segundo trailer. É claro que o conforto era outro. Esse tinha cama de casal, cozinha completa geladeira, sala reversível, banheiro químico completo com água quente. Enfim uma verdadeira casa. Assim ficamos praticamente três meses namorando às escondidas.
Depois de três meses chegamos a conclusão de que era preciso falar com a família. Um dia peguei-a pela mão e me dirigi à carreta de Orlando e Herta. Ela tremia pois ao sair de Belo Horizonte, Dona Herta tinha prometido a mãe, cuidar dela. Mas eu era o protegido de Orlando que gostava muito de mim. Nas horas de folga escutávamos música juntos, pescávamos juntos, éramos grandes amigos. Entramos na carreta, chamei-os e participamos o nosso namoro. Foi uma guerra! Em princípio os dois não queriam. Discutiam entre si e brigavam com a gente. Òbvio que chamaram atenção de outras pessoas. Federico Orfei chega para assistir, afinal ele era o diretor do circo e posso ser sincero, eu estava muito calmo. Claro que eu falei outras palavras, mas lembro-me perfeitamente que encerrei o meu discurso com a seguinte frase " ou vocês ganham um casal tem boas intenções que quer formar uma família no circo, ou vocês perdem dois excelentes empregados". O primeiro a concordar, foi o Frederico que virou para o tio e disse em bom italiano" Lasciate che sia lo cosi, zio". Era a frase mágica para Orfei concordar e muito com a contragosto Herta também.
Assim, saímos da clandestinidade para viver um grande amor.
Passamos a ser respeitados por todos como um casal unido 24 horas, o que para Orlando era uma maldição. Ele dizia sempre "um casal viver uma vida normal já é difícil, imaginem viver 24 horas juntos". Por que nossa vida se resumia a trabalhar e nosso entretenimento era o circo. A nossa diversão mais comum eram reuniões depois do espetáculo, à luz de um bom churrasco de carneiro o mesmo de carne bovina. Cada um contando histórias de seus países e suas aventuras pelo mundo. Claro que isso muitas vezes, regado a um bom vinho quando estávamos no Sul.
Assim como a vida totalmente estabilizada, viajamos o Brasil umas cinco vezes, de Belém até ao Sul. Pensamos em ter uma filha. Pior! Pensamos em ter uma filha no circo. Não que o circo fosse ruim para as crianças, mas sempre era uma vida itinerante com muita burocracia na educação. A criança perde um pouco da sua identidade pátria, ao misturar línguas, afinal eram 25 etnias representadas. Mas era uma vida boa!
Assim, sem nenhum planejamento, deixarmos a providência divina decidir e Sandra fica grávida em 79. Continua ainda a trabalhar agora já como bilheteira, recepcionista, corista, a subir no elefante principal e nas horas vagas, dona de casa e costureira. Pois bem, grávida, trabalha até aos 8 meses.
Chega perto do parto, estávamos na Praça Onze Rio de Janeiro em grande temporada. Levo-a a Belo Horizonte para que o bebê nasça no Hospital Evangélico onde sua tia trabalhava. Tivermos que ir de ônibus, pois ela, segundo o médico, doutor James d'Ávila estava na última semana de gestação. Deixei-a na casa da mãe e voltei para o Rio. E, numa terça feira 13 de maio de 1980, onde aproveitava a noite calma para trocar o piso do trailer, meu pai que morava em São Cristóvão, bate na minha porta e anuncia o nascimento de uma menina.
Não precisa nem dizer que eu e Isabela Orfei, que insistia em ir comigo, estávamos às 6h horas no Aeroporto do Galeão aguardando o primeiro avião para Belo Horizonte. Ao chegarmos, pegamos um táxi para as Mangabeiras onde ficava o hospital. No caminho eu parei para comprar umas flores para Sandra. Era uma menina linda!
Retornarmos ao Rio de Janeiro. Um problema era escolher o nome. Fátima era muito óbvio, mesmo que ela tivesse nascido no dia de Nossa Senhora, minha madrinha. Todo o português adora o nome de Maria de Fátima. Mas acabamos escolhendo o nome de outra grande mulher, a Princesa Isabel pelo dia em que se comemora a abolição da escravatura e assim o nome dela virou, Isabel Martins Avelar Goulart, fruto do nosso grande amor.
A primeira coisa que eu fiz foi construir um berço para o bebê, na área destinada à sala de estar. Ainda sobravam dois lugares, e durante 8 meses, viajamos com Isabel, trabalhando, em direção à Argentina. Estreamos em Mar del Plata em dezembro, a convite da ATC - Argentina TV Color, a Globo de lá, para o programa" Hoy Verano" . A temporada em Mar del Plata foi fantástica, estávamos em uma pedreira abandonada á beira do porto.
Numa manhã ao desligar as luzes externas do circo, percebi um o movimento anormal de navios de guerra no porto. Mais tarde, a confirmação da declaração de guerra da Argentina à Inglaterra pela posse das ilhas Malvinas. Foi a gota foi a gota d'água para a nossa saída do circo. Pensávamos no futuro da nossa filha. Nos estudos dela... A primeira coisa foi conversar com a família. Orfei não permitiu que eu saísse do circo e me transferiu para a sede latino-americana, situada em Nova Iguaçu para que eu continuasse a fazer manutenção de equipamentos.
Conversei com a Sandra e chegamos a conclusão de vender tudo. Fizemos um leilão e vendemos para o nosso amigo trapezista, carro, trailer, plantas, e tudo oque estava dentro. Saímos de Buenos Aires num vôo da Aerolíneas Argentinas, somente nós três, duas malas de roupa é uma caixa de madeira com minhas ferramentas, brinquedos da Isabel e livros. E assim, em março de 1981, viemos morar em Nova Iguaçu.
Nota do autor: Orlando Orfei faleceu no dia 1 de agosto de 2015, com 95 anos.
Autor: David Avelar. Parte do livro que pretende lançar. “Minha vida com Orlando Orfei”. Estórias do Circo.
Sandra e Isabel no nosso trailer em Mar Del Plata em 1980 |
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